As entidades que integram o Projeto UHD Brasil se encontraram no dia 10 de dezembro, em São Paulo, para discutir a evolução desta tecnologia na cadeia produtiva do audiovisual nacional.
Após as apresentações, o resultado foi um panorama amplo e informativo sobre o atual estágio do UHD como negócio e as expectativas para 2019.
Estavam presentes representantes do Fórum SBTVD, da ABTA, da Bravi, da Rede Globo, da Eletros e da Universidade Mackenzie. A SET contou com a presença de seu superintendente Olímpio José Franco, que moderou a reunião.
Acompanhe a seguir os detalhes de cada apresentação e os temas mais relevantes:
Fórum SBTVD trabalha com agenda disruptiva
José Marcelo Amaral, presidente do Fórum do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (Fórum SBTVD) e diretor de Engenharia e Operações da Record TV, falou sobre a implantação das transmissões em UHD.
“Nossas ações serão intensificadas em 2019. Teremos uma agenda evolutiva, que preparará as bases de uma futura mudança de plataforma e dos recursos que serão aplicados futuramente, e uma agenda disruptiva, que definirá um novo padrão para o serviço de transmissão de imagens em UHD”, afirmou.
Segundo ele, este trabalho tem três eixos: definição dos padrões de áudio imersivo e dos padrões de HDR (ambos em discussão nos Módulos de Mercado e Técnico), e perfil D do middleware, com estudos de caso e normas já publicados em português para o atual padrão ISDB-t na versão brasileira de resolução 2k (1080 x 1920 pixels).
Para atingir as metas da agenda disruptiva, o Fórum SBTVD formou dois grupos de trabalho. O primeiro, o GT ISDB-t 2.0, tem acompanhado as discussões sobre os padrões japonês e norte-americano e coletado dados para amparar uma futura tomada de decisão sobre qual será a melhor solução. No segundo, o GT ARIB/DiBEG, Fórum SBTVD e SET, o debate tem como foco o desenvolvimento do ISDB-t para serviços de 4k e 8k. O Digital Broadcasting Experts Group (DiBEG) e a Association of Radio Industries and Businesses (ARIB) são instituições do Japão que reunem a indústria e a pesquisa deste país para o desenvolvimento da TV digital.
Perguntado se o Fórum SBTVD tem um prazo, Amaral disse que a expectativa é ter uma nova versão com incremental upgrade em meados de maio. “Como indústria, nosso interesse é em explorar os novos modelos de middleware. Vamos trabalhar para termos definições ainda no primeiro semestre do ano que vem”, afirmou.
Rede Globo aposta no UHD
Leonardo Chaves, gerente de Tecnologia de Transmissão da TV Globo, fez uma apresentação bastante informativa sobre os testes e pesquisas em UHD que a emissora realizou na Copa do Mundo.
Para ele, é razoável acreditar que já será possível ter transmissão em UHD até o final de 2019. “O próximo ano trará muito aprendizado ao mercado”, disse.
Em sua palestra, Chaves apontou que a Rede Globo foca em UHD como parte de uma política que visa atender três pilares de negócio: mais qualidade, maior eficiência de transmissão e integração com a internet, também chamada de Integrated Broadcast Broadband (IBB).
Os testes acontecidos durante a Copa do Mundo foram feitos no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, com uma série de transmissões de jogos em 4k e 8k, que tinham como objetivo avaliar o sistema norte-americano ATSC 3.0. “Foi o lugar onde conseguimos oferecer ao público essas experiências”, afirmou.
Além deste trabalho, o engenheiro também falou sobre a estação piloto do ATSC 3.0 no Morro do Sumaré, também na capital carioca. “Montamos a estação com o que havia de mais novo em tecnologia, criando um local de experimentação e inovação”, disse.
Chaves afirmou que a Copa foi escolhida por se tratar de um evento marcante, onde normalmente são testadas inovações no setor de broadcast. Para ilustrar, ele apresentou uma linha do tempo com a evolução da tecnologia de imagem em alta definição desde a Copa da França, em 1998. Veja abaixo:
A iniciativa da Rede Globo no Museu do Amanhã envolveu vários parceiros e também as três empresas do grupo voltadas para o esporte: a própria emissora, o Sport TV e o globoesporte.com. “O esporte está ganhando cada vez mais autonomia e se tornando um departamento em si, ou seja, não mais um braço do jornalismo”, explicou.
As projeções no Museu do Amanhã foram feitas em uma tela de 300 polegadas fornecida pela Panasonic. Os visitantes podiam ver estatísticas de jogos em tempo real e tinham acesso a um calendário das transmissões em 4k e em 8k.
“Um diferencial foi o áudio, que era mixado em tempo real”, disse Chaves. “Os equipamentos eram Dolby Atmos e o objetivo foi o de criar uma experiência de imersão que fizesse a audiência sentir como se estivesse dentro do estádio.”
As transmissões em 8k, no total de oito jogos, foram feitas em parceria com a emissora estatal japonesa NHK. O sinal saía da Rússia para o Japão em 200 Mbps e se dirigia para o teleporto da Intelsat em Atlanta em 100 Mbps. De lá, chegava à TV Globo em 110 Mbps e no Nimbra era transmitida em 1 Gbps.
Chaves apontou que a indústria de codec evoluiu tanto desde as Olimpíadas do Rio, que a qualidade da imagem era perfeita. Na avaliação do engenheiro, a ação no Museu do Amanhã foi um sucesso: reuniu mais de 51 mil pessoas, que ainda tinham à disposição instalações interativas, como uma de realidade virtual. “O áudio foi um show à parte”, enfatizou.
A seguir, o engenheiro descreveu como funciona a estação piloto do ATSC 3.0 no Sumaré. “A cadeia inteira de distribuição está em IP e todos os engenheiros envolvidos tiverem que correr atrás desta capacitação”, contou.
Na sequência, mostrou um detalhado estudo comparativo entre o ISDB-Tb e o ATSC 3.0 no suporte de imagens em UHD durante as transmissões dos jogos em dispositivos móveis e fixos. “A avaliação é que o ISDB-Tb atende bem as TVs de tela grande”, informou. Compare:
Um dos destaques da apresentação de Leonardo Chaves foi o conceito de Dynamic Ad Insertion, que está entre as principais inovações de negócio para as emissoras de TV. Já é possível, por exemplo, inserir comerciais customizados na programação a partir do perfil de consumo do telespectador. A tecnologia funciona de forma muito parecida com os algoritmos de exibição de publicidade na internet, o que abre uma janela bastante competitiva para o mercado.
Ainda focado na Copa do Mundo, o engenheiro discutiu a interatividade entre a TV e as múltiplas telas, como forma de melhorar a experiência de quem assiste ao jogo fora do estádio.
“Neste ano, a Fifa enviou os jogos em múltiplas câmeras. A Globo usou essa possibilidade para oferecer ângulos exclusivos aos seus assinantes da Globoplay que buscavam um conteúdo diferenciado no celular ou no tablet”, informou.
“A solução era totalmente síncrona – com sincronismo frame by frame – com o que estava acontecendo na tela da TV”, disse Chaves, explicando como os conhecidos problemas de delay foram eliminados.
A criação de aplicativos e games específicos para a Copa do Mundo também foi uma forma de ampliar a experiência do jogo para o assinante e testar modelos de negócios futuros a partir do IBB.
A emissora também criou um aplicativo exclusivo, junto com a Samsung, para assinantes que tinham TVs 4k, que podiam assistir os jogos em HDR com exclusividade.
Para realizar todas essas experiências, a Globo contou com a parceria de 20 empresas. No total, contabilizou cerca de 5,8 milhões de acessos, mais de 800 mil usuários únicos e 78,7% das interações em mídias sociais favoráveis ou neutras. “A mensagem que fica é que há sim uma demanda por qualidade: o telespectador percebe a diferença”, resumiu.
Para terminar sua apresentação, Leonardo fez um apanhado geral dos resultados da Globoplay, que está se posicionando como um concorrente de peso da Netflix e de outras gigantes internacionais que estão atuando no mercado brasileiro.
De janeiro a dezembro de 2018, a Globoplay somou cerca de 1,5 bilhões de videoviews e mais de 242 milhões de horas reproduzidas em múltiplas telas. “O segredo é que a plataforma está em constante mudança para se adequar às necessidades do usuário”, disse. “Desde configurações simples, como a visualização do catálogo, até as mais complexas, como a oferta maior de produtos”, explicou.
Para Chaves, a plataforma ainda está muito dependente da Internet, mas isso deve mudar quando a TV conectada se tornar mais popular. A média diária é de 580 mil horas assistidas, com mais de 3,2 milhões de videoviews.
“Os números justificam o sucesso: o caminho encontrado pela Globo para o mundo OTT”, celebrou. E anunciou que em breve a Globoplay também oferecerá pacotes Telecine e Première, delegando ao usuário o poder de definir o seu modelo de assinatura.
Outra novidade, foi a implantação de um módulo da Globoplay junto com o canal de TV. “O ambiente híbrido IBB é nosso caminho de evolução e de busca por novas receitas”, disse.
“Em novembro”, exemplificou, “lançamos a série Ilha de Ferro no Tela Quente e, ao final do capítulo, o assinante recebia um aviso para continuar assistindo”. “Para isso, tudo que tinha que fazer era acionar um botão no controle remoto”, explicou. “Deu trabalho, mas o resultado foi ótimo: nosso setor vai ganhar mais com um Ginga mais forte”.
“Se conhecemos os hábitos de consumo, fica mais fácil oferecer conteúdo. O usuário fica alternando entre o broadband ou o broadcast, sem saber ao certo de onde o sinal está vindo”, disse. “O ambiente de padronização é o Ginga que pode garantir a todas as marcas as mesmas possibilidades”.
Ao final, deu um recado diretamente ao Fórum SBTVD. No início de dezembro, foi realizada em Brasília a 32ª Reunião do Comitê Consultivo Permanente II de Radiocomunicações (CCP II), pertence à Comissão Interamericana de Telecomunicações (CITEL), com apoio da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
O evento reuniu autoridades latino-americanas e a Rede Globo fez demonstrações parecidas com as do Museu do Amanhã. “O encontro mostrou a relevância do Brasil na região: somos os protagonistas e a responsabilidade do Fórum é grande pois nós seremos os definidores dos padrões para o continente”, finalizou.
Eletros prevê aumento nas vendas das smart TVs
Márcio Herman, gerente de Relacionamento com o Governo da Samsung e vice-presidente da Linha Marrom da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), explicou a atuação da entidade e apresentou um panorama do mercado de televisores do Brasil.
A Eletros reúne os maiores fabricantes de eletrodomésticos e eletroeletrônicos de consumo do País. São 30 empresas associadas, que representam marcas importantes dos segmentos de linha branca, áudio e vídeo (linha marrom) e linha de portáteis.
“Todas as TVs comercializadas no país são produzidas na Zona Franca de Manaus, por causa dos incentivos fiscais e também da legislação vigente”, disse.
No final de novembro, no evento SET Norte 2018, ele já havia apontado a força da indústria neste setor. “A grande sinergia que temos com a produção de TVs na Zona Franca de Manaus é garantir que os produtos colocados no mercado brasileiro não tenham delay em relação aos processos de fabricação no mundo, como ocorria antes”, afirmou na ocasião.
Com a crise econômica, o setor recuou de tal forma, que mesmo eventos como as Olimpíadas, a Copa do Mundo e o switch-off não foram capazes de alavancar as vendas e retomar a curva ascendente de 2014. Veja o gráfico a seguir:
“O consumidor no Brasil não enxerga a TV como um item que precisa ser atualizado constantemente”, explica. “Quando o consumidor compra uma TV nova, a antiga vai para o quarto ou é doada para alguém e continua a funcionar até o limite de sua vida útil”.
No entanto, ele afirma que o mercado de smart TVs vem crescendo. “A Eletros estima que, em dois anos, 100% das TVs vendidas no Brasil serão smart TVs. O consumidor busca uma TV que permite conexão com a Internet e, se ele tiver recursos, a qualidade da imagem”.
O executivo fez uma breve explicação sobre a evolução dos aparelhos de TV UHD no Brasil e no mundo e também como está este mercado. “A Eletros vem monitorando o switch-off. Não houve desabastecimento em nenhuma região”, disse.
Ao final, questionado sobre engenharia reversa e descarte de aparelhos, Herman comentou que a Eletros está avaliando com o governo federal formas de descarte que sejam mais eficientes já em 2019.
“A Samsung tem uma política própria, mas ainda é um projeto piloto. Essa demanda precisa ser realizada em conjunto com as demais empresas e em âmbito federal”, disse.
Produção independente brasileira já está pronta para o 4k
A produção audiovisual independente no Brasil tem como sua representante a Bravi, entidade que agrupa hoje 659 produtoras, das cinco regiões do Brasil, apoiando-as através de iniciativas como: Projeto Setorial de Exportação, Capacitação, Políticas Públicas para o setor e desenvolvimento do mercado interno.
O presidente Mauro Garcia foi o representante da entidade na reunião do Projeto UHD Brasil. Ele começou sua fala com dados sobre a presença do conteúdo audiovisual nacional na TV por assinatura.
Graças à legislação que regulou a obrigatoriedade de exibição de audiovisual nacional, entre 2016 e 2017 houve um aumento de cerca de 15% de títulos nacionais exibidos pelos canais pagos. A grande maioria nas áreas de documentário e ficção.
No caso da exibição no cinema, ele ressaltou dados da Agência Nacional de Cinema (Ancine) que apontam 100% de digitalização das 3.223 salas atualmente disponíveis no país. Ele também mostrou uma curva ascendente da produção de filmes brasileiros desde 1995 (quando o Brasil produziu apenas 14 filmes) até 2017 (quando estrearam 158 produções).
Com relação às tecnologias de produção em si, ele afirmou que o mercado independente está preparado para o UHD. “São poucas as produtoras que têm equipamentos próprios: a maioria aluga. Isso facilita que a produção independente se aproxime mais rapidamente dos avanços tecnológicos”, afirmou.
“A lei da cota da TV por assinatura também ajudou o produtor a se aproximar do 4k. Os canais dialogam com suas matrizes e, com as novas plataformas, a produção precisa se adequar ao que vem sendo usado no mundo”, explicou.
Outro fator importante para o uso de tecnologias de captação mais avançadas é a coprodução. “A produção independente já está preparada para o 4k”, enfatizou.
Ainda na questão de exibição, Garcia ressaltou o aumento da participação do longa-metragem brasileiro nos serviços de video on demand (VOD). “70% dos filmes brasileiros lançados em salas de exibição entre 2011 e 2016 estiveram em algum serviço VOD entre 2013 e 2018. Do total de 701 filmes lançados no período, 490 foram ofertados em serviços de VOD.”
Como ponto que precisa de atenção, Garcia destacou o Certificado de Produto Brasileiro (CPB), da Ancine, que poderia incluir a informação sobre a matriz tecnológica no cadastro do produto audiovisual. “Além disso, a estrutura de finalização em 4K ainda é onerosa e uma dificuldade para o produtor independente”, disse.
Ao final, o presidente da Bravi celebrou o atual modelo de distribuição. “Empresas como a Netflix”, destacou, “produzem conteúdos locais que são levados para outros países”. “É o modelo da Netflix, que tem investido em produções brasileiras com bastante sucesso.”
TV por assinatura busca saídas para a pirataria
Oscar Simões, presidente da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), deu continuidade ao encontro e discutiu o UHD sob o ponto de vista deste mercado.
Seu primeiro assunto foi a concorrência com as OTTs. “Cada vez mais os canais estão lançando seus próprios serviços, como os casos do Telecine e da Fox”, disse. “Essa oferta de conteúdo fora dos pacotes está em sintonia com o que acontece no mundo. É inexorável”, avaliou.
“O problema é que o consumidor consegue, normalmente, adquirir duas ou três assinaturas de OTTs. Depois disso, aumentar o número de assinaturas fica muito caro para este usuário e se aproxima muito do preço de um pacote de TV paga. A multiplicidade de serviços de OTTs parece impor um limite à sua monetização. Não há recursos para monetizar todas as ofertas”, avisou.
Para Simões, no entanto, a maior ameaça às TVs pagas continua a ser a pirataria. “Com o avanço tecnológico, aparecem buracos e janelas. Recentemente vimos uma caixa na Amazon que continha todas os serviços e estava em liquidação durante a Black Friday. O serviço já virou febre entre os brasileiros residentes em Nova York. Este é o tema que mais me aflige”, apontou.
Para ele, trata-se de “uma canibalização violentíssima do conteúdo e uma ameaça das mais sérias”. “É uma luta difícil. Sabemos que outros países convivem com os mesmos problemas e encontram diferentes soluções. Tudo depende da legislação mais rígida.”
“Precisamos melhorar a experiência do usuário e buscar novos arranjos”, apontou. “A tendência no mundo é de conglomerados e de aquisições. As tecnologias não desaparecem por completo. Elas se rearranjam e coexistem”, finalizou.
Mackenzie faz estudos para melhorar o ISDB-t
A reunião do Projeto UHD Brasil prosseguiu com a palestra do professor, pesquisador e engenheiro da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP), Cristiano Akamine, que falou sobre os testes de tecnologia de modulação LDM no ISDB-T.
A pesquisa, que também pode ser lida na revista acadêmica SET International Journal of Broadcast Engineering (SET IJBE), mostra as vantagens da inclusão da modulação LDM no desenvolvimento do padrão japonês de TV digital, o ISDB-t.
“A ideia do Departamento de Engenharia da Universidade Mackenzie foi incorporar o LDM, conseguindo transmitir o sinal 4k simultaneamente em dois sistemas diferentes”, explicou.
A inspiração para o modelo veio de pesquisas canadenses que já haviam feito testes similares. “Foi desenvolvida uma nova técnica de modulação que foi incorporada ao ATSC 3.0”, informou.
“O LDM é a melhor forma de multiplexação quando se quer transmitir dois serviços diferentes ao mesmo tempo (4K e outro)”, concluiu.
Os integrantes do Projeto UHD Brasil devem se reunir novamente no primeiro semestre de 2019.
Para informações sobre o Projeto UHD Brasil, visite: www.projetouhdbrasil.org.br